Pinhas, Juicer Salif e os Horizontes de Uso
- cristaleo
- 12 de set. de 2021
- 3 min de leitura

Protótipo 1
Um espremedor de limões tem qual finalidade? Para Starck, pouco importa se ele espreme ou não os limões.
Sometimes you must choose why you design — in this case not to squeeze lemons, even though as a lemon squeezer it works (Starck, 1998 apud Lloyd e Snelders, 2003).
Sua função é estética ou então mediadora, revelada por uma perspectiva privilegiada e masculinista (Haraway, 1995) em que o objeto deixa de ter a intencionalidade inicial e passa a ter uma interpretação livre, porém ainda intencional pelo Designer.
Enquanto se coloca como um "verdadeiro visionário", a sua descrição de intencionalidades descortina um visão de papeis demarcados de gênero - incluindo a eterna centelha que estimula a competição entre mulheres.
Sometimes you need some more humble service: on a certain night, the young couple, just married, invites the parents of the groom to dinner, and the groom and his father go to watch football on the TV. And for the first time the mother of the groom and the young bride are in the kitchen and there is a sort of malaise—this squeezer is made to start the conversation (Starck, 1998 apud Lloyd e Snelders, 2003).
Mas o que é um espremedor? Quem é o agente do espremedor? Starck é realmente o mediador de conversas na cozinha entre mulheres? Estaria ele projetando ontologicamente pensamentos e conversas (não-materiais)?
Por outro lado, tendo pinhas à mão, fiquei a explorar a possibilidade de subverter o caríssimo Juicer Salif e criar um modelo decolonial (apesar da europeia pinha) baseado em um brasileiríssimo Design orientado à Gambiarra. Uma pinha fechada forneceu naturalmente pontos de entrada para fixação dos dentes de três garfos. Qual é o horizonte de uso de um material que sai de um projeto de Design?
Pinhas são receptáculos de sementes, combustível, material de construção e de decoração. Pinhas são também espremedores?
Garfos são utensílios para comer, material de decoração, para limpar, cozinhar. Garfos são também espremedores?
Para explorar estes dois pontos - a interpretação da finalidade e o horizonte de uso - propus um protótipo empregando garfos, limões-bergamota colhidos na mata e pinhas encontradas no chão em uma área rural em Bom Retiro do Sul. Ao final, chamei minha filha para gravar a ação, e perceber se ela teria curiosidade sobre o estranho artefato que estava diante dela - ou seja, se ele teria de fato o horizonte de uso proposto por Starck, como se fosse um deus manipulador abrindo nossas conversas e permitindo - oh, glória, in excelsis Deo - que mulheres reduzissem a competição entre si.
O resultado e reflexão sobre este ponto encontram-se no vídeo a seguir. O Juicer Salif descortina a mundaneidade de Starck, o espremedor de pinhas e o vídeo a minha.
Protótipo que faz um remix da visualidade proposta pela colega Helena Agra, gentilmente cedida para emprego nesta versão.
Protótipo 2 - The Thing that Things
Se um projeto nos projeta ao ser projetado, a visão ontológica da projetação nos abre espaços de pensamento complexo sobre as consequências do que projetamos. As coisas coisam: elas não ficam sentadas inertes após projetadas. Elas nos coisificam. Elas projetam nossos comportamentos, nosso estilo de vida.
Numa rápida busca entre alimentos que recebi, encontrei uma possível sequência lógica de eventos para uma mãe que começa a tomar suplementos nutricionais na gravidez.
A pergunta que este protótipo me faz é: a vida que projeta esse nutricionismo e esta conveniência também é projetada por eles. Em que momento teremos o ponto de não-retorno?
Protótipos inspirados pela leitura do artigo Ontological Designing, de Anne-Marie Willis.
Comentários