O desmascaramento do “cuidado” manipulado pelas Cores e a Fome como projeto de poder (Matters of care in technoscience)
- Michelli Quiroz
- 1 de mai. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de mai. de 2024
Figura 1: Fome como projeto de poder.

Fonte: Quiroz, 2024.
Partindo do objetivo de manter a sequencialidade dos protótipos e da temática das Cores, após ler o último artigo dessa tríade, pontuei as seguintes informações:
1)Tratar as coisas como MoC: para nos engajarmos adequadamente com o dever de uma coisa, precisamos contar todas as preocupações a ela anexadas, todas aquelas que se importam com ela. [...] com um fazer ético: a responsabilidade prática de cuidar do frágil agrupamento que elas constituem.” (La Bellacasa, p. 90)
2)Potencialmente, questões de cuidado podem ser encontradas em todos os contextos; exibi-los é especialmente valioso quando o cuidado parece estar fora do lugar, supérfluo ou simplesmente ausente (La Bellacasa, p. 93, 2010).
3)Marginalizados - não necessariamente mulheres (La Bellacasa, p. 94, 2010)
4)Compromisso especulativo de pensar em como as coisas seriam diferentes se gerassem cuidado (La Bellacasa, p. 96).
A partir desses apontamentos, optei por manter a relação entre atmosferas, agências – agora – adicionando os conceitos de cuidado, porém, de forma que este fosse utilizado como manipulação de poder. Diferentemente do protótipo anterior, este não teve indivíduos reais para a colaboração da experimentação. Em vista de uma atmosfera unitarizada, plantada e estimulada desde o primeiro protótipo, o resultado deste sucumbiu em um espelhamento do cenário atual da experimentadora.
O Mundo das Cores morreu e retornou a partir da Fome de seus antigos observadores. Com uma nova observadora, essa participou ativamente da experimentação – vizinha –, as Cores identificaram o cuidado transmitido por ela e a influencia profissional que essa carregava. A partir dessas observações, as Cores arquitetaram uma estratégia onde não apenas seriam reconhecidas, mas seriam indispensáveis entre os seres humanos e não-humanos... Utilizar a manipulação do cuidado com a Fome como projeto de poder.
Ora, como essa temática se encaixaria para abordar as perspectivas de cuidado abordadas no artigo? Como essa temática poderia abordar todos os conceitos dos artigos anteriores, se a própria concepção de “Fome” não foi identificada pela última experimentadora convidada?
De acordo com os apontamentos anteriormente citados, por Latour (2004-2005) e Bellacasa (2010), identifica-se a necessidade de compreender as coisas como além das coisas, todos os seus impactos – sejam negativos ou positivos –, para que assim possamos articular sobre o real significado de “cuidado”, tendo a crítica como apoio e não como centro das articulações. O cuidado transcende o tangível e o intangível, podendo ser considerado um ato político e, as vezes, afetuoso. Se tivermos apenas a preocupação como catalizadora de ações e pensamentos, mas não houver o cuidado, nos limitamos ao que é confortável e importante para nós – as Cores –, o coletivo – seres humanos e não-humanos – e as coisas perdem o seu significado. Ademais, apesar do cuidado feminista trazer as mulheres como protagonistas, através de funções essenciais na sociedade, Bellacasa (2010) cita cenários e protagonistas marginalizados com certa frequência.
Portanto, para elucidar um possível cenário onde existe apenas a preocupação, sendo o cuidado utilizado apenas como manipulação, a manipulação – das Cores – do cuidado com a Fome, tornou-se a temática mais coerente a se seguir.
Com uma atmosfera unitarizada e influenciada pelos protótipos anteriores, resolvi estimulá-la ainda mais no contexto da “Fome” para ver quais resultados obteria durante a experimentação. O ambiente selecionado foi minha casa, ao fundo o podcast “ClapMe” com a participação da deputada federal Erika Hilton, um felino e os materiais utilizados nos protótipos anteriores. Em vista de aprimorar e trazer impacto visual ao protótipo, já que se trataria de algo tão grave e articulado quanto a Fome, resolvi expandir meu acervo de materiais.
Após muito pensar e articular com a gerente da vidraçaria aqui em frente de casa, consegui um paspatur de descarte para utilizar no protótipo. Ainda insatisfeita e já com fome, identifiquei uma bandeja de ovos vazia, arroz e feijão. Pronto, agora eu teria os materiais perfeitos para fazer essa experimentação... Mas como combinar esses elementos? Deveria combiná-los? Os conceitos estimados para esse protótipo seriam identificados?
Certo momento, durante a experimentação, me dissociei de minhas funções manuais e escutei algumas frases de Erika Hilton sobre a manipulação do cuidado que a política exerce sobre a fome no Brasil, que me inspiraram para a continuidade do protótipo,
“Pra que que eu vou combater a fome?
Pra que que eu vou fazer com que as pessoas consigam pensar?
Porque quando elas estão com fome elas não pensam.
Quando elas estão com fome elas agem pelo desespero da fome [...]
Aí eu apareço de 4 em 4 anos, eu dou cesta básica para todo mundo, eu faço churrasco, eu dou 2 pacotes de cimento e eu tô eleito a 30 anos. Os meus pais, os meus irmãos, os meus tios, os meus avós, as minhas esposas, está todo mundo eleito, porque a fome é um projeto de poder. [...] É querer controlar as pessoas pelo estômago.”(Hilton, 2023).
A partir disso, minha mente foi rápida em querer classificar os materiais e artefatos novamente, sendo eles:
1)As cores seriam as Cores, as novas manipuladoras dessa temática;
2)A bandeja de ovos, o emaranhado de fios marrons e a flor – prototipada durante o protótipo B – seriam a Manipulação das Cores;
3)Os brilhantes seria o Esperançar dos humanos e não-humanos
4)A união do arroz, feijão e estômago – representado pelo fio solto do protótipo A – seriam a Fome;
5)O paspatur seria os seres humanos e não-humanos.
O protótipo foi finalizado em uma espécie de quadro, tendo como base e protagonistas os seres humanos e não-humanos – o paspatur – onde estes foram representados justamente pelo único material que eu não possuía, um material que logo seria descartado caso não tivesse barganhado com a vendedora anteriormente. Tais pontos são importantes para a compreensão das experimentações realizadas, pois as coisas e seres dos quais oferecemos protagonismo, dependendo de sua atmosfera, agência e cuidado que a esses pertencem, pode-se vir a criar e especular um cenário com ótimas intenções e mesmo assim sem resultados e sem melhorias. A partir dessas experimentações e artigos, especulo como seriam projetos articulados com cuidado, diversificando as agências das coisas e entendendo as diversas atmosferas em que transitamos.
As cores venceram, através de inovações próprias como fome e manipulação, tornaram-se essenciais aos seres. Onde nesse cenário hipotético – e muito perto da nossa realidade –, as coisas e o cuidado não foram tratados como MOC para com as necessidades básicas que afetam todos, mas principalmente os marginalizados, partilhando apenas o mínimo para que esses seres se tornem dependentes delas.
Figura 2: O desmascaramento do “cuidado” manipulado pelas Cores.

Fonte: Quiroz, 2024.
(PROTÓTIPO C).
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