Devaneios de um processo pessoal
- Mariella Guerreiro Höehr
- 9 de set. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 23 de set. de 2021
No dia em que eu me mudei para este novo lar, tive um devaneio – sobretudo a respeito da construção de novas memórias. Logo após a mudança conturbada e a desocupação de caixas, decidi que o novo lar fosse explorar os meus sentimentos a partir de artefatos que eu fosse criar: objetos de decoração, texturas, materiais, cores... Ah, as cores! Como escolher a paleta que estivesse alinhada com o meu eu? Então, decidi: peguei um pedaço de tábua velha, comprei uma lata de tinta branca e com diversos pigmentos pude experimentar os tons antes de adentrar nas paredes, até que cheguei aos tons de terracota. Se no ano passado me vi em um lar de paredes brancas, hoje quero me transportar para a mensagem das cores. Mas, por quê esses tons? Muitos dizem que pode remeter ao conservadorismo ou ultrapassado... Eu prefiro arriscar que remete à ancestralidade, às memórias da nossa história que construímos na terra e no barro.


Como não construir memórias sem me lembrar de todas as experimentações que vivi, para hoje, me enxergar como uma mensageira? Pois, dado esse devaneio, cheguei aos tons perfeitos para o acolhimento do meu lar.
A prototipagem se deu pela testagem dos fluxos de uso, a partir de uma ideia tangível e a representação do abstrato para o físico a fim de transmitir uma mensagem. Aprendi a entender o propósito sobre os artefatos, bem como a sua consistência de valor. Ao meu ver, a prototipagem faz parte do processo mais denso de criação dos artefatos, longe do acerto e perto do erro – erros esses, valiosos e relevantes para a busca de resultados concretos. Se não fosse a prototipagem eu não teria guardado esse pedaço de tábua que fez parte de uma memória e tem mais valor do que qualquer outro pedaço de tábua comum: ele contém história.

A partir da inspiração de cores e texturas que ficaram registradas em um plano vazio, me senti inspirada a testar os resultados em resíduos de cordas que pudessem ser transformadas em um artefato artesanal, rentável e sustentável. Para quem não sabe, sou filha de uma história marcada por artesãos da minha ancestralidade, onde em meio ao caos me descobri uma transformadora de matéria prima em obras de arte. Desenvolvi um padrão de texturas e pontos de macrame que posteriormente podem resultar em artefatos que carregam diversas tentativas abstratas. A simplicidade das cordas atreladas aos tons de terra resultaram um moodboard curioso, em uma paleta um tanto quanto pessoal.

Arrisco dizer que o design atrelado à prototipagem tem o propósito de trazer valor através de competências na lida dos processos, a partir da capacidade de integrar possíveis conexões, relacionando aspectos materiais e imateriais - bem como logísticas contemporâneas atribuídas a formas de inovação. Dessa forma, podemos expandir a atuação dos designers à cultura artesanal, ocupando-os não somente no desenvolvimento dos artefatos, como também na prototipagem de soluções que gerem resultados valiosos.
Nessa experimentação pude descrever os aspectos de um objeto artesanal voltado ao seu valor relacional: o artefato como um manifesto. Esse valor contribui na valorização de práticas tradicionais, tornando os objetos artesanais evidentes nos processos de significações culturais e sustentáveis.

Os objetos artesanais se modificam conforme a linha do espaço-tempo. E seus resultados são condicionados a contextos variáveis, atrelados à produção de sentido. Prototipar peças com um ponto de partida memorial podem resultar em coleções ligadas diretamente ao sentimento.
E por falar em sentimento, foi a primeira vez que optei por escrever em primeira pessoa – acredito que seja a influência de ligar os trabalhos manuais com uma produção de sentido. Optei por escrever em primeira pessoa, porque também foi a primeira vez que tive a oportunidade de prototipar com valor e significado. Dentro desse moodboard (Protótipo 01), carimbei a minha marca para sempre lembrar de uma porta que se abriu para a experimentação de novas peças, um novo padrão, uma nova memória – ou talvez tudo isso seja mais um devaneio.

E por falar em sentimento, foi a primeira vez que optei por escrever em primeira pessoa – acredito que seja a influência de ligar os trabalhos manuais com uma produção de sentido. Optei por escrever em primeira pessoa, porque também foi a primeira vez que tive a oportunidade de prototipar com valor e significado. Dentro desse moodboard carimbei a minha marca para sempre lembrar de uma porta que se abriu para a experimentação de novas peças, um novo padrão, uma nova memória – ou talvez tudo isso seja mais um devaneio.

O design ontológico e a arte: partindo do pressuposto que arte e design são campos distintos, estes mesmos atores criam conceitos e objetivos também distintos. A complexidade do homem, e de todos os ecossistemas é tão denso que só pode ser obra de um criador. Assim como a densidade entre a relação criador x criatura, me vi imersa em uma ressignificação do sentimento através da arte.
Por trás da investigação de experimentos e protótipos difundidos de um devaneio pessoal, me veio a experimentação de um painel, um artefato de decoração único e com um certo sentimentalismo. Onde o criador e a criatura dançam em sintonia, performando os sons de um atabaque expressos através de uma paleta de cores.
❝O caráter transpessoal do artesanato se exprime direta e imediatamente na sensação: o corpo é participação. Sentir é, perante tudo, sentir algo ou alguém que não sejamos 'nós'. Sobretudo: sentir com alguém. Inclusive para sentir-se a si mesmo, o corpo procura outro corpo. Sentimos através dos outros. Os laços físicos e corporais que nos unem com os outros não são menos fortes que os laços jurídicos, econômicos e religiosos. O artesanato é um sinal que se exprime à sociedade não como trabalho nem como símbolo, mas como vida física compartilhada.❞ (Octávio Paz)
Baseado em:
Meyer, G. A Experimentação como Espaço Ambivalente de Antecipação e Proposição de Controvérsias. Revista Estudos em Design. Rio de Janeiro: v.26/n.1, p. 29–47. 2018 (Protótipo 01: moodboard)
Willis, A.-M. Ontological Designing: laying the ground. Design Philosophy Papers, 4 VN-re (2), 80-89. 2006. (Protótipo 02: painel)
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